quarta-feira, 6 de fevereiro de 2008

"Enterro" do Entrudo em Carrazeda de Ansiães


Já tinha ouvido comentários que este ano não haveria festejos de Carnaval e o tradicional cortejo com alunos das escolas acabou por não se realizar, ao que parece por falta de apoio da autarquia. Todos temos acompanhado pela comunicação social o estado miserável das finanças locais e o corte de algumas actividades não surpreendem ninguém.
Não estava nos meus planos ir a Carrazeda neste período do Carnaval, mas, o que é certo, é que pouco depois da dez da noite do dia 5, eu estava lá.
Cheguei em cima do acontecimento e surpreendeu-me a quantidade de gente que se encontrava na Praça do Município. Ouvia-se uma voz a recitar versos de sátira política, mas, enquanto estacionei o carro, a declamação terminou.



Formou-se o cortejo que acompanharia o defunto Entrudo à sua morada final. À frente, a cruz e as lanternas, logo depois o carro negro da Agência Machado, “que de manhã não abre e à tarde está fechado”, onde já jazia inerte o Entrudo. Não sei como permanecia assim, parado, porque os gritos das carpideiras eram de fazer um defunto fugir da própria tumba. Tudo em volta estava vestido de negro, mas as lágrimas da “viúva” contrastavam com o ritmo dos bombos e algumas bombas de confetes e serpentinas . Também os instrumentistas se encontravam vestidos de negro, com a cara tapada, cada um com um máscara mais feia do que o outro. Para completar o quadro, já por si pavoroso, a sirene do carro dos bombeiros fazia-se ouvir não sendo capaz de abafar os gritos lancinantes das mulheres que choravam a sua perda. De vez em quando a viúva subia ao caixão, sentava-se em cima do Entrudo que não reagia nem mesmo à exibição das provocadoras meias negras rendadas.
O impressionante cortejo fúnebre seguiu pela av. Jerónimo Barbosa até aos Bombeiros, desceu depois à Rua Marechal Gomes da Costa e desta à Avenida Aquilino Ribeiro, onde mais umas largas centenas de pessoas aguardavam num pesado silêncio.



Depois das despedidas finais, o defunto foi transportado em ombros para o recinto da feira e abandonado à luz de algum fogo de artifício. As atenções foram-se desviando do malogrado Entrudo, concentrando-se no colorido fogo. Poucos se aperceberam da enorme explosão que colocou ponto final à curta, mas boémia presença, do Entrudo no ano de 2008. Depois de passar por queimas, enterros, etc. eis que os carrazedenses descobriram uma nova forma de se despedirem do Entrudo: fazendo-o explodir. A estranha e triste viúva caiu nos braços de algum jovem que a reconfortou e ninguém mais prestou atenção aos bocados de feno espalhados pelo chão, entranhas do Entrudo.
As atenções centraram-se no fogo de artifício que foi crescendo, em quantidade e em colorido, arrancando algumas expressões de admiração aos assistentes. O espectáculo completou-se com mais de meia dúzia de cospe-fogo e malabaristas a exibirem-se em simultâneo. Havia bolas de fogo em círculo, grandes labaredas que saíam das bocas fazendo lembrar as chamas em que se devia estar a consumir a alma do Entrudo, coscuvilheiro, bêbado e mulherengo.
Foram 20 minutos de espectáculo bem animado. As chamas foram-se apagando e as pessoas voltando a casa.
O Entrudo teve a despedida que merecia, lágrimas, música e fogo. Coitada da viúva que vai ter que pagar a conta.