quinta-feira, 27 de setembro de 2012

À Descoberta de Belver (2/3)

Continuação de: À Descoberta de Belver (1/3)
A rua do Vale tem continuação pela rua da Escola. Nela não se ouvem os risos das crianças e algumas casas estão desabitadas. É direita e larga, contrastando com todas as das zonas mais antigas da aldeia. Liga a caminhos vicinais que se estendem até Carrazeda de Ansiães.
Na antiga Escola Primária funciona agora a sede da Liga dos Amigos de Belver. Constituída em 2006 e com muitos dos associados fora da aldeia, a principal atividade da Liga tem sido a realização de um convívio nos primeiros dias de agosto. No entanto, os seus objetivos são mais ambiciosos e, em parte, têm sido conseguidos: melhoria das instalações e o seu aproveitamento mais frequente; recuperação da fonte de mergulho da canelha da Figueira e a aquisição e recuperação do moinho existente no ribeiro do Moinho.
A falta de uso do recinto da escola é evidente, necessitando urgentemente de limpeza.
O “recreio” é dos poucos pontos da aldeia de onde se avista alguma paisagem. Não é difícil imaginar os campos cheios de vida. Aliás, isso ainda se verifica nas pequenas hortas encostadas às casas, onde se regam as alfaces, cebolas, tomateiros e pimenteiros, rodeados de flores, que salpicam de cor todas as hortas transmontanas.
Na veiga, mais latifundiária, só sobraram algumas leiras de batatas, já com flor, outras de milho, culturas bem representativas do potencial agrícola das terras.
Está na altura de segar a erva dos lameiros. As gramíneas floriram e os finos caules dobram-se com o peso das espigas. Os troques, com a sua cor garrida, crescem hirtos nas paredes ao longo dos caminhos com arranjos de verde de cenoura brava. As giestas negrais, que aqui crescem como carvalhos, ostentam o que restou do seu manto amarelo, recolhido por calejadas mãos para as passadeiras do Dia do Corpo de Deus.
Ao longo das margens da ribeira do Moinho, que se estende até próximo da Carrazeda, e continuando pela Veiga, há grandes retalhos de terrenos férteis, outrora sustento de famílias numerosas, estão reduzidos à alimentação do gado, também ele cada vez menos abundante.
 Regressemos às ruas. Caminhemos até ao largo da sede da Junta de Freguesia. O edifício é pequeno, recente e não desperta muito a atenção. O elemento de maior interesse neste largo é, sem dúvida, uma curiosa fonte datada de 1924. Esta fonte é única no concelho, constituída por um depósito, um tanque para os animais beberem, uma torneira para recolha de água e um pequeno tanque para lavar a roupa. Estas últimas três valências estão interligadas por um sulco do em granito por onde a água circula por gravidade até se depositar do tanque de lavagem da roupa. Muito bem situada, e ainda com plena utilização, esta fonte é um dos elementos do património construídos com mais interesse em Belver.
Chegámos ao ponto de partida. A aldeia é dividida pela Estrada Municipal 627 que no interior da povoação recebe o nome de rua Marechal Gomes da Costa. É por ela que se tem acesso a Belver e se pode sair em direção a Fontelonga. As bonitas vivendas que existem na aldeia foram construídas à entrada, de um e do outro lado da estrada. É também à entrada da aldeia que se encontra um nicho muito recente, elegante, em granito, inaugurado em 2009. A imagem é de Nª Sª das Neves.
No interior da aldeia ladeiam a estrada casas mais antigas, algumas com traça interessante. As curiosidades vão surgindo, como duas caras esculpidas, perto do largo da Junta, um relógio de sol sobre um muro, depois do largo da Praça, algumas pedras trabalhadas e datas gravadas nas vigas e fachadas das casas. Sendo possível que existam habitações desde o séc. XII, a data mais antiga que encontrei gravada foi 1668, sendo a maior parte do séc. XX. Num beco está gravado MDCCLXV, em letras enormes, na viga de uma porta.
Um pouco mais à frente surge a capela de Santo Cristo, visita obrigatória na Descoberta desta aldeia.
 Nas Memórias Paroquiais de 1758 são citadas como existentes em Belver 4 capelas: uma no cemitério, a capela da Visitação de Santa Isabel, particular, tendo como administrador António de Morais, de Zedes; a segunda na meio do povo, de Nª Sª do Carmo, particular, sendo administrador António José Monteiro; a terceira no fim do povo, indo para Carrazeda, a de S. Pedro, também particular, administrada por António Gonçalves. A quarta era precisamente a capela de Santo Cristo.
Tem mais esta freguezia outra Capella que há poucos anos que se principiou que ainda nom esta benta”. A julgar pela data inscrita por debaixo do parapeito de uma das janelas terá sido concluída em 1765. Contam as pessoas que foi mandada construir por um emigrante no Brasil, que, sendo colhido por uma tempestade numa das suas viagens, prometeu construir esta capela por quanto chegasse bem à sua terra natal. Tendo sobrevivido, cumpriu a promessa.
As Memórias Paroquiais contam uma história um pouco diferente. A capela foi construída com a contribuição de doentes que se curaram, “como se verefica dos mylagres que nella estam” (deveria estar a referir-se ao que conhecemos hoje por ex-votos, e que não existem na capela) e com dádivas dos fiéis.

Continua em: À Descoberta de Belver (3/3)

domingo, 23 de setembro de 2012

À Descoberta de Belver (1/3)

 Belver é uma freguesia do concelho de Carrazeda de Ansiães que dista aproximadamente dois quilómetros da sede. Trata-se de um núcleo populacional relativamente pequeno, mas, como a freguesia agrega Mogo de Ansiães e o bairro do Reboredo, que muitos julgam pertencer a Carrazeda, tem mais de 300 habitantes, número que muitas outras freguesias não atingem.
A origem do nome Belver é frequentemente atribuída à derivação de “Belo ver” ou “Belo viver”. Esta explicação é também dada a respeito de outro Belver, com um bonito e altaneiro castelo, no concelho de Gavião. Não me parece que haja grande paralelismo, uma vez que o “nosso” Belver está implementado numa zona planáltica, na terra fria, entre os 700 e os 800 metros de altitude, mas sem que daqui se avistem largos horizontes, exceção feita ao vale da Cabreira, para os lados de Mogo de Ansiães.
Mesmo a esta altitude há pontos mais elevados que se lhe sobrepõem. Daqui se avista o pinocro, vértice geodésico de primeira classe situado em Fontelonga, o cabeço de Nª Sª da Graça, em Samorinha e o antigo castelo de Ansiães, a que esta freguesia esteve ligada em tempos remotos.
O meu último grande passeio a Belver aconteceu em junho de 2008. Quando, recentemente, voltei à aldeia, algo tinha mudado. Não foram as pessoas, nem as casas, nem a paisagem. O que mudou foi a imagem mental que eu construí da aldeia depois de ler o romance “O violino do meu pai – Partir ou ficar em Trás-os-Montes” da autoria de Campos Gouveia, nascido em Belver em 1947.
Pode ter sido uma dedução errada minha, nunca esclarecida junto do autor, mas a aldeia onde se desenrola parte da história, Belavista, é justamente a aldeia de Belver. Não resisto a transcrever algumas palavras.
“A aldeia era animada e havia muita mocidade, especialmente raparigas, que os rapazes estavam a ir em bandos para o Brasil, no sonho de fortuna seguramente rápida, a abanar a árvore das patacas; composta de um aglomerado velho de casas de pedra nua, atravessado a meio por um caminho largo que conduzia a Montelongo, capela de dois altares e igreja matriz da Senhora das Neves com torre sineira e relógio accionado por dois pesos de granito, três fontes de mergulho: a da gricha, a do valtalho e a da canelha. Era nesta última que Joaquina recolhia os canecos de água, não só por ser a mais próxima mas também por ser a mais limpa: nas outras duas os animais bebiam com frequência da mesma água das pessoas. Esta tinha uma abóbada de pedra colocada de tal forma que os animais tinham dificuldade em chegar à água e dois degraus laterais que serviam de banco, num plano inferior ao do caminho, onde as pessoas podiam conversar. Além disso, a canelha não tinha muito movimento, pois só de manhã e à noite os lavradores passavam por ali para levar ou trazer os animais dos lameiros da pontesinha, e por isso os namorados a preferiam.”
O romance faz uma descrição das habitações, das famílias e do modo de vida na aldeia de “Belavista”. Partamos, então, à descoberta da aldeia que “na uniformidade da pedra escura e da telha vã… se confundia com a paisagem granítica, se dela se não destacassem algumas construções recentes de brasileiros.
 Um bom ponto de partida para o passeio é o largo da Praça. É relativamente amplo e está rodeado de casas em granito. Encostado a uma delas está um fontanário, também em pedra, mas já sem gota de água. Algumas foram recuperadas, e com bom gosto, outras mostram as marcas do passar dos anos e da ausência de vida. Marca do tempo é (também) o nome de um beco próximo – Atafona. As atafonas eram uma espécies de moinhos, movidos a tração animal. Um destes terá possivelmente existido neste beco.
Da Praça partem vários caminhos em distintas direções. Sendo necessário escolher, uma hipótese é seguir em direção ao Vale, para norte. O Vale foi antigamente a Gricha. A aldeia era atravessada por uma ribeira onde as mulheres lavavam a roupa. Havia uma pequena ponte de pedra que permitia atravessar a ribeira e, também na Gricha, uma fonte, possivelmente de mergulho, onde bebiam os animais e de onde se extraía água para rega. Hoje o cenário é bem diferente. O leito da ribeira é mais caminho do que outra coisa. A pouca água que por aqui passa é entubada, mal se dando por ela. Disseram-me que a fonte ainda existe, tapada, mas não a encontrei.
O largo do Vale é um dos recantos mais românticos da ladeia. Há uma enorme tília e muitos bancos espalhados, para um momento de sossego. Encostados às casas pendem fartos ramos de rosas vermelhas, ou de cores mais lavadas. Algumas casas destacam-se pela dimensão, pela utilização de granito trabalhado, pelas existência de escadas e patins. Umas mais robustas, outras mais humildes e em ruínas. Na rua, na travessa e no beco, todos do Vale(!), há dos dois tipos. Foi na travessa do Vale que encontrei a primeira surpresa da tarde - uma janela manuelina. É muito simples, parecida com outras que existem em Selores, mas, mesmo assim, digna de referência porque são poucos os exemplares que existem no concelho.

Continua:  À Descoberta de Belver (2/3)